Editorial Boletim OTIUM 12: A dimensão ética do ócio. Utopia ou realidade?

Editorial Boletim OTIUM 12: A dimensão ética do ócio. Utopia ou realidade?

De  tal  maneira  é  assumido  e  interiorizado  o direito  ao  ócio  nas  sociedades  contemporâneas, que ninguém, ou  quase ninguém, concebe a possibilidade de restringir voluntariamente as suas oportunidades de ócio, pensando nos efeitos colaterais do seu desfrute, nas e nos reféns do seu próprio ócio, ou nas implicações das suas experiências. Entretanto, além das limitações ou barreiras (econômicas, sociais, familiares, laborais, de saúde, políticas, etc.) que, de  fato  e por  razões  alheias  à  vontade  própria, cada pessoa vivencia no seu ócio, devem ser consideradas outras questões imprescindíveis para avançar para  um  ócio  sustentável, responsável e, definitivamente, um  óci o humanamente  digno. Seríamos  capazes  de  desfrutar da mesma maneira se soubéssemos que o cavalo vencedor  da  corrida que  estou a  assistir  morrerá  exausto  pelo esforço  após o evento? Se pudéssemos visualizar os efeitos devastadores da marcha desportiva em que participo no espaço natural  em  que  decorre?  Se  tivéssemos  consciência  das  condições  de  exploração  em  que  muitas  pessoas  (crianças e adultos) trabalham para que outros desfrutem de momentos de ócio? Se soubéssemos a contribuição real do turismo para aliviar a pobreza da população local em destinos turísticos em desenvolvimento?

É  claro  que  a  resposta  desejável  a  estas  questões  seria negativa, mas a realidade torna-se um pouco mais subtil, evidenciando que entre teoria (o desejável) e praxis (realidade) há uma série de variáveis  que  questionam  a  dimensão  ética  do  ócio  contemporâneo. Um ócio em que o direito individual e o imediatismo de seu exercício têm prioridade , desviando-se de possíveis confrontos e  colisões  com  a  igualdade, a  justiça  e  o  bem comum (especialmente se estes são estranhos, remotos e não imediatos). Em qualquer caso, não se pode invocar ignorância ou falta de informação como explicação para a cegueira ética que parece acompanhar o ócio atual. Qual é a diferença entre intuir e conhecer o lado obscuro do ócio?

E  entre  conhecer  e  tomar  consciência  do mesmo?  O que  tem  que  acontecer  para  que  entendamos que o nosso direito ao ócio acaba quando colide ou impede o cumprimento dos direitos dos outros,  sejam pessoas,  cidades,  patrimônio  cultural, espaços  naturais,  animais, etc.?  O  autêntico  exercício  de  um  ócio  sustentável  e  responsável é aquele que assume, aceita e se auto impõe limitações que , longe de diminuir o valor e a intensidade do seu gozo, o intensifica ao alinhá-lo e ao fazê-lo compatível com os atributos de uma vida humanamente digna. Sustentabilidade, justiça social e bem comum são valores aos quais o ócio contemporâneo nunca deveria ter renunciado pois, emulando uma frase famosa de Epicuro (341 – 270 a.C. ), não pode haver ócio digno se este não for também um ócio responsável, sábio, honesto e justo, nem se pode cultivar responsabilidade, sabedoria, honestidade e justiça no âmbito do ócio, sem desfrutar de um ócio digno.

Portanto, quem  não  cultiva  um  ócio  com estas qualidades, não poderá desfrutar de um ócio humanamente digno e pleno. Se este é o objetivo, pensemos nos Estudos de Ócio e Recreação como a recuperação, restauração e o fortalecimento da dimensão ética do ócio contemporâneo.

By |2018-04-26T21:46:08+00:00abril 12th, 2018|Notícias|0 Comentários